terça-feira, 22 de março de 2011

António Capela


Domingos Capela foi o pioneiro. Filho e neto seguiram-lhe os passos
O acaso, seja lá isso o que for, tem sempre influência nas grandes histórias. Esta passou-se, e ainda se passa, em Espinho, mais propriamente na freguesia de Anta. Em 1924, contava então 20 anos, Domingos Capela viu cair-lhe nas mãos um violino a precisar de arranjo, propriedade de um músico brasileiro de origem italiana, Nicolino Milano, que vivia temporariamente por cima da oficina onde o jovem marceneiro trabalhava. A missão foi de tal forma cumprida que marcou o início de uma dinastia, não de reparadores mas de construtores de violinos. Hoje, os Capela são conhecidos em todo o mundo. Mas continuam em Espinho, na freguesia de Anta.
Foi lá que o Diário de Notícias se encontrou com António Capela, 75 anos, e Joaquim António, 40, respectivamente filho e neto de Domingos, falecido em 76 - todos eles multipremiados em concursos internacionais do métier. "O meu pai fez o primeiro violino em 1924, o primeiro violoncelo em 25 e o primeiro contrabaixo em 27", conta António. "Com as tunas que aqui havia e, depois, as orquestras de câmara que vinham ao Casino de Espinho, espanholas, francesas, italianas, o trabalho dele expandiu--se internacionalmente, mais ainda a partir do momento em que apareceram o Conservatório e a primeira Orquestra Sinfónica do Porto. Daí para a frente foi sempre a trabalhar para grandes artistas portugueses e estrangeiros", prossegue.
Propostas para rumar a Lisboa não lhe faltaram, mas Domingos resistiu. Mais tarde, diria ao filho: "Eu não fui para a cidade, mas a cidade veio ter comigo." A cidade e o mundo, ou a marca Capela não andasse hoje por todos os pontos do globo, "da América a Inglaterra, da Austrália ao Japão". Falaram mais alto as raízes. "Ele nunca foi ao estrangeiro, a não ser quando eu me encontrava em Itália", lembra António, que nos anos 60 estagiou lá fora, como bolseiro da Gulbenkian, primeiro em Paris, na casa Vatelot, depois em Cremona, na escola onde se faziam os Stradivarius.
Esse período, diz, foi importantíssimo. "Parecia-me outro mundo. Recordo-me de, na Rue de Rome, ter ficado abismado por ver construtores porta sim, porta não." O certo é que, mesmo persuadido a isso, não quis ficar. "Como foi o meu pai quem me convenceu a sair do País, fiz uma promessa de não o abandonar enquanto fosse vivo. E até para grandes casas de Nova Iorque e Filadélfia fui convidado", revela.
O filho, esse, estagiou três vezes nos EUA. "Teve mestres que lhe disseram: 'A maior asneira que o seu pai fez foi não ter vindo para a América.' Mas se eu tivesse ido ele não tinha nascido", contrapõe, seguro de que, um dia, quando deixar de trabalhar, "o ofício fica bem entregue".
Uma coisa, porém, é certa: as mãos de Domingos, António e Joaquim António são diferentes. "Eu não consigo imitar o meu pai. Aliás, nem a mim próprio, de trabalho para trabalho", diz António Capela. A razão é óbvia: "A mão não é uma máquina que produz milhares de peças iguais - e aqui não há máquinas, só goivas, plainas e a habilidade do artista. E lixa quanto baste. Já dizia o meu pai: nós lixamos o instrumento e depois lixamos o cliente."
Considerados os Stradivarius portugueses ("com algum fundo de verdade"), os Capela constroem vários instrumentos de cordas, não só o violino. Quanto aos preços que praticam, o segredo é a alma do negócio. "Se eu dissesse, pensavam que ganhava muito dinheiro. Primeiro, as madeiras de qualidade são caríssimas. Depois, não se encontram madeiras velhas em nenhuma parte do mundo, e nós não fazemos um violino, uma viola de arco ou um violoncelo com menos de 15 anos, porque a madeira quanto mais seca estiver mais ressonância tem", explica.
Com um construtor já não se passa o mesmo. "A partir de certo ponto, há uma decadência, mas eu ainda não cheguei lá. Espero trabalhar mais uns anos", confessa. E, pela vitalidade que transmite, não custa a crer que o faça. Talvez possa, até, repetir com o filho a alegria que sentiu com o pai, em 1972, quando açambarcaram os quatro primeiros prémios de um concurso de construtores de violinos na Polónia. "Foi inédito na história daquele concurso. Com a emoção, as lágrimas caíram-me pela face abaixo", conta.

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